Pela Madrid do comum

Dois meses, 7 cidades espanholas percorridas e algo em torno de 500 gigas de material gravado (vídeo, áudio e foto): encerramos a 1º fase de #enfrenta, a de viagem e coleta de material. Voltamos para o Brasil devendo o relato da última cidade que visitamos, Madrid, e um mês e umas merecidas férias depois, cá está um pouco do que vimos e fizemos na capital espanhola.

Um dos primeiros grupos que entrevistamos foi o Declinación Magnética, um “grupo de investigación y producción recientemente constituido por artistas visuales, teóricos y comisarios cuyo trabajo parte de la toma de conciencia de los estudios postcoloniales y decoloniales y del contexto inmediato más próximo”. Foi uma charla rápida, no bonito Colégio de Arquitetos de Madrid, que versou sobre muitas das relações arte & política, e de como podemos criar “pequenos espaços de subversão” no cotidiano.

No dia seguinte, em um café/restaurante do Barrio de Las Letras – região de ruas estreitas onde morou Cervantes – , foi a vez de uma charla com o coletivo anônimo Terrorismo de autor (“”La Revolución no será ni violenta ni pacífica, será creativa”), que faz um interessantíssimo trabalho de remezcla política em vídeo. Diferente de todas as outras entrevistas, essa não temos fotos nem vídeos para mostrar: gravamos apenas o áudio, que é o material que usaremos nos nossos produtos da 2º fase do Enfrenta.

Salvo 4 dias que paramos na região de Chamberí, bairro de classe média ao norte da cidade, as calles de Lavapiés foram nossa segunda casa em Madrid na maior parte do tempo. Por elas que andamos e derivamos mais, como este post de janeiro já mostrou, e também numa dessas calles é que encontramos Aurora Cuchufletas Gómez Delgado, ativista que participou do GILA (Grupo de Intervención de Lavapiés) em muitas ações criativas (identificadas também como de “guerrilha de comunicação”), entre elas a “Toque a Bankia”, que paralisou, de forma criativa e legal, as atividades de mais de 2 mil agências de Bankia na Espanha (e uma nos EUA). Gila es: “artivismo Cutregamberro: humor, creatividad y acción directa”: dá uma olhada na página do Facebook da ação e veja o tamanho (e o êxito) que ela atingiu.

Se as ruas de Lavapiés foram nossa 2º casa em Madrid, o MediaLab Prado foi a nossa 3º: centro de cultura digital referência no mundo, lá estivemos para diversos eventos e encontros. A começar pelo lançamento do livro “Los (bienes) comunes:¿Oportunidad o espejismo?”, um diálogo entre o filósofo César Rendueles e o politólogo Joan Subirats Humet que discute uma das questões cada vez mais faladas na Espanha de hoje: “¿Es posible una gestión colectiva de los asuntos públicos que no sea privada ni estatal, sino comunal? ¿Una gestión participativa que genere derechos pero también exija deberes a los miembros de una comunidad en acción?”. Tal como o livro, o lançamento foi uma conversa sobre a ideia do comum, com a mediação do professor Victor Sampedro e participação em massa do pessoal do Máster CCCD – Comunicação, Cultura e Cidadania Digital, que ocorre no próprio Medialab. Ali também encontramos Santiago García Gago, integrante do coletivo Radialistas.net, amigo desde os tempos do Festival de Cultura Livre no Equador, e que agora está morando na Espanha e fazendo o Máster.

No MediaLab também entrevistamos um hackativista histórico nos movimentos sociais e de ocupas de Madrid, Antônio Pardo, e acompanhamos dois cócTELL, encontros para desenhar narrativas visuais de participação social. Organizado pelo MediaLab, tendo Bernardo Gutierrez (também amigo de longa data do Brasil) à frente, os encontros foram realizados em dois sábados e produziram, entre outras campanhas, a “#SomosAlcaldesas“, que visa potencializar as ferramentas de democracia direta que estão sendo desenvolvidas em Madrid – que, como já falamos aqui, tem sua prefeitura comandada pelo “Ahora Madrid” e vem trazendo pautas e ações inovadoras para a cidade. Este vídeo foi um dos produtos realizados no cóctell, que agora está em sua 2º edição, com foco a “ayudar a la ciudadanía a desarrollar campañas para los presupuestos participativos”. A metodologia dos cóctell lembra a dos hackathons, com grupos de pessoas se dividindo em campanhas, cada um deles tendo pelo menos um “mentor” para facilitar a produção dos conteúdos. Os projetos que dali saem podem ser comprados (não doados) pela prefeitura de Madrid (ou outras), segundo nos falou Gutierrez.

Além dos coletivos, durante a viagem conversamos com pessoas que nos ajudaram a contextualizar os movimentos de cultura hacker, dos commons e de ação “guerrilheira” nos espaços de cada cidade. Em Madrid, focamos na questão de ação no espaço público, e por conta disso encontramos muitos arquitetos, investigadores e gestores que poderiam nos apresentar diferentes perspectivas sobre uma certa “explosão” de iniciativas do comum em Madrid. Foi assim que encontramos com Mauro Gil-Fournier, do VIC – Viveros de Iniciativa Ciudadana, um ” plataforma abierta, colaborativa y orientada a promover, difundir, analizar y apoyar iniciativas y procesos críticos con ánimo propositivo de la ciudadanía, con especial incidencia en la transferencias al territorio, la ciudad y el espacio público”. Foi a partir do VIC – e também da participação do MediaLab e do Matadero, espaços importantes na potencialização de iniciativas do comum na cidade – que surgiu projetos como o interessantíssimo “Los Madriles“, um atlas de iniciativas cidadãs no território de Madrid. Adolfo Estalella, antropólogo, nos trouxe um excelente panorama da relação entre os movimentos de cultura digital e o espaço urbano, tema de suas pesquisas no doutorado e no pós-doutorado, na Universidade Oberta da Catalunya e na Universidade de Manchester respectivamente. Maé Durant, do Pez Studio, sediado no coworking Ucrania, também nos ajudou a entender esse cenário a partir de projetos como o Agronautas e o Inteligéncias Coletivas , este “una base de datos libre y un registro de detalles constructivos colectivos a partir de ejemplos reales de construcciones no estandarizadas e inteligentes”.

Urbanismo tático de guerrilha, arquitetura de código aberto, democratização do habitat, colaboração e autonomia na construção, arte callejera: foi meio por aí também a conversa que tivemos com Diego, do TXP Todo Por la Praxis, um dos coletivos mais atuantes nessa “Madrid do comum”, na oficina do grupo em Vallekas, o Instituto Do it Yourself, espaço/projeto de formação e aprendizagem constante de construção coletiva. Vallekas é um bairro “obrero” de Madrid, com bastante força da PAH (Plataforma de Afectados por la Hipoteca), um dos movimentos sociais mais ativos da Espanha, e sede do clube de futebol “anarquista” (segundo nos disse Gutierrez) Rayo Vallecano. Lá também participamos, na Sala Hebe, do evento “Música Contra las Violéncias Machistas”, que teve um ensaio aberto do Ashabá, um grupo de percussão feminista de Madrid.

 

No último dia, já com malas prontas para a volta ao Brasil, conhecemos o Paticano e a “Igreja Patólica”. No não-sermão do dia teve a história de como o mártir São Valentín virou padroeiro dos namorados, teve os comentários políticos (sobre a conferência do Podemos que confirmou a liderança de Pablo Iglesias no partido) e teve homenagem à memória de Ada Lovelace. Ah, e diante dos olhos de tod@s presentes, o Patólogo Leo Bassi fez da àgua vinho. Nos convertemos!

Voltamos com muito material também dos coletivos que encontramos – essa primeira foto abaixo é apenas uma amostra. Nos próximos meses vamos organizar um pouco das coisas que investigamos e dar início a 2º fase do projeto. Gracias ao Ibercultura Viva (que fez essa ótima matéria sobre o projeto), a Lareichel Congosto e Iñaki Mtz.-Lacaci pela acolhida em Madrid, Rosen Bogdanov e Fernanda Pires de Sá em Barcelona, e a todos os coletivos/pessoas com quem cruzamos: em breve voltamos a conversar.

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