Barcelona livre, hacker, ativista & criativa

Nos últimos dias andamos e conversamos tanto pela cidade que conseguimos documentar aqui apenas uma pequeníssima parte do que vimos/ouvimos/pensamos. Barcelona é uma cidade especial para o “enfrentamento” ao status quo: há um ecossistema de cooperativas, ativismo criativo & cultura livre que se reconhece e age em sintonia sem (muito) esforço. Há um histórico de décadas com (poucos) retrocessos grandes no âmbito político institucional, e essa continuidade, somada à uma efervescência cultural e de busca de autonomia que a cidade carrega há pelo menos um século, explica um pouco a quantidade de gente a buscar alternativas econômicas/políticas/de vida ao “capitalismo” que encontramos por aqui. Deixamos a Catalunya com uma certa alegria de ter vivido e registrado bons momentos, pensamentos e sensações, que serão melhor (re) trabalhados na 2º fase de Enfrenta, logo após voltarmos ao Brasil. A seguir, um pouco de cada um dos coletivos entrevistados em Barcelona.

Num sítio de uma carrer estreita de Raval, bairro central de Barcelona, encontramos Sérgio Salgado,do X-Net, uma organização ativista de cultura livre/hacker/copyleft referência na Espanha, que semana passada lançou uma inédita plataforma de vazamento de dados de corrupção em parceria com o ayuntamiento de Barcelona (Barcelona en Comú). Na charla teve tudo: política, hackers, cultura livre, copyleft, Barcelona, Galícia, ativismos, organização, e uma certeza: neutralidade da rede é uma das frentes mais importantes do ativismo global de hoje.

Numa dos poucos dias de sol que pegamos em Barcelona, fomos de trem a Bellvitge, região de L’Hospitalet, município da grande Barcelona, encontrar o coletivo LaFundició. São uma cooperativa de artistas que tem um trabalho de mais de 10 anos focados em prácticas artísticas y culturales y la educación, “entendidas como atividades controversiales”. Tem um forte trabalho com a região onde atuam e um espaço muito interessante e versátil.

Nesse mesmo raro dia de sol, voltamos ao Raval e conversamos, numa sala do CCCB (colado ao MACBA), com Bani Brusadin, um dos três criadores e diretores do The Influencers, festival de “arte não convencional, guerrilha da comunicação e entretenimento radical”. O festival é uma referência pra quem trabalha com perspectivas de guerrilha de comunicação, e seus convidados são um belo panorama do que melhor se tem feito nessa área por aí, em especial no cenário europeu e estadunidense. Bani falou de como foi criado o festival, em 2004, de como não le gusta o rótulo “artivismo” (ele prefere “ativismo criativo”), do “enfrentamento” simbólico que faz a partir da arte, entre outros temas diversos.

Artivismo e cultura livre: é possível a produção audiovisual, que demanda meses (e anos) e muito investimento, ter licenças livres? O coletivo Metromuster é uma boa prova para mostrar que sim, é. Prática ativista ligada a prática artística, cooperativa auto-organizada, sem distinção de “chefe”, ação e documentação ao mesmo tempo: tudo isso rolou na entrevista com Xavier Artigas, um dos criadores e cooperados do coletivo. Fomos ao bairro de Gràcie, em uma pequena viela num dia de muito frio, chuva e vento.

Na quinta-feira 26 de janeiro visitamos ao meio dia a Casa do EnMedio, espaço dividido com a histórica revista Ajoblanco, ativa nos 1970 e 1980 na Espanha e que agora está voltando. A argentina Oriana Eliçabe nos contou um pouco de sua experiência como fotógrafa em Chiapas, entre 1995 e 1999, período de nascimento do ciberativismo digital com os zapatistas, e das batalhas do movimento de anti-globalização, e de como isso tudo foi influenciar nas ações criadas a partir de Yomango, no início dos 2000, e finalmente no EnMedio, criado em 2007.

Na mesma quinta de frio, ainda em Gràcie, fomos conversar com Andreu Meixide, realizador audiovisual, produtor e arquiteto que transita por diversos grupos em Barcelona. Ele nos contou um pouco de algumas particularidades da produção artivista catalã, e do festival em que é um dos produtores, o Barcelona Creative Commons Culture & Filme Festival, que se situa entre a cultura livre, o ativismo e a apropriação tecnológica. Também nos conduziu por um caminho noturno pelas calles e praças de Gràcie enquanto buscávamos um lugar para assistir seu Barcelona ganhar do Real Sociedad e se classificar para as semifinais da Copa do Rey da Espanha.

Por fim, o último coletivo com quem conversamos foi o Quepo, coletivo/produtora que trabalha com comunicação audiovisual com uma perspectiva ativista de transformação social, e que tem sua sede também em Gràcie. Foi a maior entrevista que fizemos, em tempo (quase duas horas) e em número de pessoas participantes (4!). Rolou uma conversa franca sobre licenças livres em produtos audiovisuais – Interferències foi o primeiro filme espanhol de ficção licenciado em CC (BY-SA-NC) a estrear nos cinemas do país; o contexto atual espanhol, em especial de Barcelona, com um governo que incentiva e absorve mais práticas, projetos e inclusive pessoas relacionadas à cultura livre; sobre alguns desafios e fracassos que eles poderiam contar no processo de produção de uma comunicação audiovisual transformadora; o projeto mais recente, Hambre, um projeto transmídia sobre a fome.

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *